Por que praticamos Yoga mesmo?
Yoga fortalece a musculatura. Yoga acalma a mente. Yoga purifica os órgãos internos. Yoga melhora a postura. Yoga alonga a musculatura. Yoga traz mais foco e auto-percepção. Yoga é divertido. Yoga emagrece.Tudo verdade... Mas afinal, é pra isso que praticamos Yoga?
Primeiro um breve passeio histórico.
Não sabemos ao certo como surgiu o Yoga, ou quem foi seu criador. Apenas sabemos que sua origem remonta ao período pré-histórico, sendo que a maioria dos livros afirma que surgiu na Índia por volta de 3.000 a.C, e que seu criador é Shiva.
No entanto, descobertas arqueológicas de 1952, comprovam que a origem do Yoga é européia, aproximadamente de 10.000 a 15.000 anos a.C.
Na gruta de Addaura em Sícilia, na Itália, foram descobertos desenhos com posturas de Yoga. Vários milênios depois de sua criação, o Yoga teria sido levado à Índia pelos povos mediterrâneos (drávidas), tendo sido conservado até hoje, como o conhecemos.
Yuj
A palavra Yoga vem do sânscrito Yuj, que significa atrelar, unir, juntar. Portanto, uma tradução apropriada seria união.
Mas para que haja união, pressupõe-se que algo esteja separado. Então o que estaríamos unindo ao fazermos nosso sadhana?
Muitos textos dizem que o praticante de Yoga - também conhecido como sadhaka - aspira atingir três aspectos de união:
1 - Consigo mesmo
2 - Com os demais seres
3 - Com o absoluto
E é justo dizer que essa união parece ser necessária, já que em nossa experiência diária de fato nos sentimos separados de tudo e do todo.
De acordo com as escrituras, as necessidades de um ser humano podem ser resumidas à três buscas básicas.
Num belo discurso de introdução ao Vedanta, Swami Paramarthananda nos diz que, independente da cultura na qual estamos inseridos, raça ou classe social, todos passamos a maior parte do tempo procurando por segurança, paz e felicidade.
No intuito de nos sentirmos livres das limitações que a vida parece nos impor - afinal nos sentimos inseguros, e a paz e a felicidade mais se parecem com areia fina escorrendo entre os dedos -, saimos "lá fora" em busca de coisas que aliviem esse sofrimento, e que nos ofereçam a sensação de que resolvemos o problema. E muitas vezes resolvemos, mas apenas por um instante, ou até que o próximo desejo ou aversão surja em nossa mente.
E para a maioria de nós, é nesse contexto que o Yoga entra.
Mas praticar Yoga é praticar Asanas avançados?
Há uns 7 anos atrás, durante um retiro de Astanga Vinyasa Yoga, ouvi uma pergunta sincera de um amigo, daquele tipo que rapidamente ganha a atenção de todos em função da sua prática de asanas impecável (pra quem conhece o Sadhana do Astanga, ele já praticava com facilidade a segunda série).
Nosso professor havia introduzido no programa do retiro, um momento para o estudo dos Yogasutras - de Patanjali.
E nesse contexto esse amigo lançou a sua pergunta:
"É possível que eu me ilumine através da prática exclusiva de Astanga?"
Numa boa? Essa caberia naquele livro "as perguntas que você sempre quis fazer para o seu professor de Yoga, mas tinha vergonha de parecer um iniciante ridículo".
Houve um breve momento de silêncio profundo. Ninguém ousava sequer respirar. E a resposta do nosso professor veio tão honesta quanto a pergunta:
"Não."
Quero lembrar que estamos falando de um professor e praticante experiente, respeitado e avançado, que fazia todas as reverências a Sri K. Pathabi Jois (o criador da prática), cultivava o ritual de ir a Mysore (Índia) anualmente, etc e tal.
E a continuação da sua resposta deixou ainda mais perplexos a todos nós, pupilos dedicados:
"Sou extremamente grato a essa prática, que me ensinou disciplina, abriu e fortaleceu meu corpo, minha percepção e me concedeu várias epifanias. Mas para alcançar o que se chama de iluminação, sinto que já encontrei o meu caminho. Tenho um mestre e o visito sempre que posso e estudo segundo sua orientação. E hoje só pratico Astanga porque sem praticar não posso dar aulas e se não der aulas não posso sustentar minha família." e continuou: "Se esse é o seu objetivo (a iluminação), você deve buscar um outro meio."
Não sei o que os outros pensaram, mas mesmo sem compreender completamente sobre o que ele falava, naquele momento senti uma admiração tão profunda por esse professor, que teve a capacidade de ser brutalmente honesto consigo - e com trinta e tantos alunos ali presentes -, estando disposto até mesmo a desapontar talvez a maioria para honrar a sua verdade. Uma verdadeira demonstração de coragem e desapego.
E eu, ainda que já estivesse reavaliando aquela prática física tão intensa, só pude compreender o significado da declaração do meu professor muitos anos mais tarde.
Yoga é aquilo que une o buscador ao que ele busca.
E o que ele busca? Aquilo que ele já é, ou, a sua verdadeira natureza , "disfarçada" dessas 3 buscas básicas (segurança, paz e felicidade).
O triste fato é que essa busca é intrinsecamente infrutífera, pois gastamos nosso tempo e energia (= vida) procurando no lugar errado, ou seja, "lá fora", naquilo que o Vedanta chama de objetos de experiência.
E ironicamente, o único lugar no qual não buscamos nada disso, é dentro de nós mesmos.
Mas se já possuímos (ou melhor ainda, se já somos) essa segurança, essa paz e essa felicidade dentro de nós - e portanto nenhum esforço é necessário para produzir tais "efeitos"- por que então não nos sentimos assim o tempo todo? Por que em alguma medida sempre nos sentimos inseguros, inadequados, infelizes e nos falta paz?
Por natureza, somos seres extrovertidos – extrovertidos no sentido de “virados para fora” – e literalmente consumimos o mundo através dos nossos 5 sentidos. Assim, nos engajamos em muitas atividades e distraídos, agitamos ainda mais nossa mente, que fica tomada de ideias sobre afazeres presentes, futuros ou passados.
Some a isso as várias camadas de obstáculos à correta percepção, a ignorância a respeito de quem somos, os inúmeros condicionamentos - conscientes ou inconscientes - que carregamos ao longo da vida (ou pra quem acredita, ao longo de vidas).
Daí cansados, pode ser que procuremos o Yoga, ou algum atividade mais "espiritual". E sim, Yoga pode produzir efeitos colaterais agradáveis, como melhora em nosso sistema corpo-mente como um todo, nos fazendo sentir bem. Mas nesse momento o importante é lembrar que...
Yoga não é um fim... É um meio, um agente purificador
que nos prepara para práticas mais sutis como Karma Yoga, Upasana Yoga e Jnana Yoga.
O Yoga Físico, ou Hatha Yoga (incluindo todos os outros estilos mais modernos que derivam do Hatha), vai aos poucos - e sempre na medida da sua dedicação e persistência - limpando ou diminuindo a densidade dessas camadas, pra que a nossa mente possa reconhecer a sua natureza pura e simples de Consciência Plena e Perfeita, onde Segurança, Paz e Felicidade são infinitas e independem de acontecimentos externos para serem reconhecidas ou experimentadas.
Mas a parte mais importante e decisiva do sucesso nessa empreitada, é sem duvida a atitude interna e a entrega do praticante a esse objetivo maior.
Como dizia o professor Hermógenes, "Praticar Yoga como ginástica (ou só focado nos Asanas), que é muito agradável e divertido, é como comer a casca da banana e jogar o resto no lixo".
Portanto, o mais valioso não é o que podemos ver durante uma prática (ou como os Asanas se parecem), mas sim o invisível, aquilo que nossa percepção não pode avaliar, aquilo que acontece no silêncio do Ser.
Se um método oferece essa clareza de objetivo, então cumpre essa função, e portanto é um ótimo Yoga. E isso depende do correto entendimento do professor, daquilo que o Yoga pode e do que não pode oferecer, ou seja, qual é a sua verdadeira função no jogo da vida.
Namaste (e te vejo na prática!)

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